A imitação do amor

"Há pessoas que não conseguem ver para lá da espuma dos dias. São pessoas para quem o amor é imediato, impensado, imponderado e, por isso, não é bem amor.
Pode ser paixão, pode ter dedicação e empenho, pode até parecer consistente e sério, mas é apenas uma imitação do amor.

É muito fácil imitar o amor. Vivemos rodeados de imagens e sufocados por músicas que nos apelam constantemente para cenários idílicos, casais perfeitos, comédias românticas em que o amor vence sempre a vida ou por amores perdidos que nos roubaram o coração. O amor é um dos nossos motores de vida; quem vive sem ele seca como uma árvore sem água, mas quem vive sufocado nele pode afogar-se em mágoas.

O amor verdadeiro dá muito trabalho. É como um full time job sem folgas aos fins-de-semana e sem ordenado ao fim do mês. É estar lá para o outro, tanto nos dias em que o amamos, como nos dias em que estamos fartos dele. O amor não é feito de palavras nem de grandes gestos românticos, mas de provas, visíveis ou invisíveis, de amor. Não é abstracto nem transmissível: se amamos uma determinada pessoa não podemos passar esse amor para outra. Temos de deixar de amar a anterior, esquecer e recomeçar do zero, senão não é amor, é uma fuga para a frente, uma transferência afectiva, uma solução fácil e prática – tudo imitações do amor.

Talvez a lição mais difícil de aprender acerca do amor seja a de que o amor não se aprende. Treina-se com o tempo, apura-se com a maturidade, mas não se aprende, porque ou o temos dentro de nós ou não o temos. E quem o tem quase nunca o domina. Podemos saber o que seria certo fazer, mas nem sempre o fazemos. Podemos errar, mesmo quando não queremos. Podemos tratar mal os que amamos sem nos apercebermos. Mas quem ama perdoa ainda que não esqueça, quem ama segue em frente, quem ama não se agarra a desculpas, arregaça as mangas e não desiste, porque o verdadeiro amor é o avesso do medo e o melhor aliado da vontade.

Amar é proteger, é acreditar, é construir, é sonhar com os pés na terra. Amar é planear. E depois trabalhar em conjunto para que os planos e os sonhos se realizem. Nenhum amor sobrevive à espuma dos dias, recostado à sombra da bananeira, porque cada história de amor tem a sua própria vida, como uma terceira entidade. E como todos os outros seres vivos, se não cresce, morre.

Uma das maiores lições que o meu filho Lourenço me deu sobre o amor aconteceu quando ele tinha apenas três anos e fez um trabalho de colagens na escola. Na capa de cartolina a educadora escreveu a resposta, de cada criança, à pergunta: ‘O que é o amor?’. O Lourenço disse: ‘O amor é casar, e quando não resulta, é carregar os sacos de compras da mãe que é fraquinha’.

No dia em que encontrar o homem certo que me carregue os sacos, talvez me case outra vez. Mas até lá, há que levantar a cabeça e ver para lá da espuma." `


(Margarida Rebelo Pinto, in Sol)