João Pedro


"“Por favor não vás, por favor não vás, por favor não vás.”


Eram estas as palavras que ia repetindo entre dentes, para mim mesma, enquanto o trânsito infernal que Lisboa tem na hora de ponta me ia impedindo de chegar até ti. Como é que nem me lembrei disto? O sol entra-me pela janela do carro e sinto-o a queimar-me a cara. Tento ter calma, mas a minha impaciência ridícula é imensamente mais forte do que eu própria gostaria que fosse. Um dos defeitos que sempre soubeste apreciar, com a destreza carinhosa que tens, sempre tiveste, de gozar comigo e, ainda assim, conseguir fazer-me sorrir.

Continuo aqui, a poucos quilómetros de ti. A poucos minutos do nosso café em Belém. A poucos minutos do nosso chá das cinco (fosse a que hora fosse, para nós, ia ser sempre “o das cinco”), a poucos minutos das conversas de tudo e de nada, da madura cumplicidade, da prendida criancice. Quem esperou tanto, até hoje, até ao agora, também espera mais estes minutos e aguenta os poucos quilómetros que insistem em ainda nos separar.

Com toda esta demora, é inevitável percorrer as linhas, laçados e entrelaçados dos últimos anos da minha vida. Da minha vida sem ti. A minha ausência. Os anos em Paris. A aventura. A luta e procura de um sonho. A falta que me foste fazendo. Pode ser que hoje te confesse que não parei de te amar, que nunca existiu Jean Pièrre algum. Que a melhor desculpa, ou pelo menos a mais fácil, foi exactamente essa. Um cliché no qual tinha a certeza que ias acreditar. Conhecia-te bem, conhecia as tuas fraquezas e sabia o medo que tinhas dessas terríveis trivialidades. Dizias que um simples lugar-comum podia arruinar a essência de uma história. Neste caso, fiz com que arruinasse a nossa. Fugi. Fugi de tudo o que era nosso. Fugi para um mundo que não era o meu e, mais importante ainda, não era o teu.

Como me faz falta o teu sorriso. Foi o que mais falta me fez durante estes anos. Desse teu sorriso meigo e cativante. O sorriso que fez com que me apaixonasse por ti. Lembras-te da noite em que nos conhecemos? Não conhecia ninguém do teu grupo de amigos, a minha prima arrastou-me até vocês. Eu sem vontade de sair. Ela a fazer-me a cabeça em água até eu concordar nesse estanho café. Obrigou-me a vestir um dos vestidos dela (um que eu nem gostava) e fui, contrariada. E encontrei-te. Aliás, encontrámo-nos. Um ao outro, um no outro. O sorriso apareceu (o meu, o teu). O beijo apareceu à porta de minha casa, insististe em acompanhar-me. Nasceu ali qualquer coisa que continua sem ter uma definição certa. Beijaste-me logo nessa noite, sempre foste impulsivo, sempre te entregaste a tudo incondicionalmente. És o meu oposto, acho que isso sempre fez com que nos completássemos tão bem. Mas com o tempo, a nossa história tornou-se monótona. O tempo, que não cura nada de nada, que apenas destrói e corrói seguranças. A nossa existência tornou-se uma uniformidade constante que me prendia e sufocava. Subtilmente, ias-me cortando as asas. E bem sabias que o meu sonho era voar… Foi por isso que tive de me desprender de tudo o que era nosso. De nós, de ti, de mim própria.

No entanto, voltei. Voltei, e espero ficar. Espero que me perdoes. Desculpa se precisei de te magoar para perceber que sim, que quero voar, mas quero levar-te comigo. Quero arrancar-te os pés do chão. Perder-me contigo, perder-me em ti. Sinto a tua falta, João Pedro. E faço o que for preciso para te ter outra vez, juro que volto a conquistar-te.


“Por favor não vás, por favor não vás, por favor não vás.”


Estaciono o carro rapidamente (que sorte em encontrar um lugar tão perto!). Retoco o batom com a ajuda do retrovisor e saio apressada. Corro pela passadeira. Finalmente, entro. Encontrei-te logo, e é inevitável sorrir-te. Retribuis-me o sorriso, aquele sorriso, que continua igual! Dás-me a esperança de que tudo pode dar certo. Sem surpresas desagradáveis. Sem arrependimentos, desta vez.


“Conta-me coisas.”

E isto sou eu a pedir-te que me deixes ficar.


“O que queres saber?”


“Fala-me de ti, da tua vida.”

E isto sou eu a implorar-te que me deixes ficar. Voltei, e voltei por ti."

A sombra será sempre algo que não estará destinado à tua pessoa, anónimo.

Pictures

A simplicidade de uma amizade está no prazer de pequenos momentos!

(Fotógrafa: Margarida Gonçalves)

Maria Clara

"“Conta-me coisas.”
Fico atónito. Apetecia-me responder-te “uma coisa, duas coisas, três coisas”, não era o que me dizias? Mas não, sorri-te com a maior brandura e respondi-te apenas
“O que queres saber?”
“Fala-me de ti, da tua vida.”
Sim, claro. E tu esperas que, depois de tantos anos sem me dares uma única notícia, eu chegue ao teu lado e aja como se nada fosse. Não, claro que não. Estava furioso, apetecia-me atacar-te, atirar-te à cara o estado em que fiquei quando cheguei a casa naquele dia, à nossa casa, e encontrei aquele teu bilhete. O bilhete em que me confessavas a tua paixão efémera e impetuosa por um qualquer Jean Pièrre que te roubou o coração. Que ias para Paris e que não ias voltar. E eu? E eu fiquei na merda, e nem tu imaginas como. Só quiseste saber do teu Jean Pièrre e ignoraste por completo o que EU sentia por ti. Alguma vez existiu maior cliché?
Cabra. Alguma vez pensaste em mim? Em nós? Em tudo o que eu tinha feito por ti? Tudo o que eu mudei para te agradar? Não, é claro que não pensaste. Fugiste de mim sem deixar rasto, escapaste-me por entre os dedos. E o pior de tudo é que, assim mesmo, eu não consigo odiar-te. E também não consegui responder-te que não quando me ligaste a dizer que estavas em Portugal, quando me pediste para ir tomar um café contigo a Belém (e não podias ter escolhido um sítio que não fosse nosso?). Um café, só um café. Não consegui inventar a mais pequena das mentiras, não consegui dizer que estava fora e que não ia dar. Não. Arrisquei, mais uma vez, bater com a cabeça na parede. Por ti. Será que não entendes? Não entendes que me estás a devolver a esperança em nós? Num nós no qual o fluir dos anos me levou a desacreditar? Será que não compreendes, de uma vez por todas, que eu te amo, amei e vou amar até as galinhas terem dentes? Que és a mulher da minha vida? Que voltares é estares a dizer-me sim?
Eu juro que tentei, tentei amar outras mulheres. Seduzia-as. Deixava-me seduzir. Tentei amá-las como te amo a ti, de corpo e alma. Mas a umas amava só de corpo, a outras amava só de alma. Nunca as deixei entrar na minha vida, pelo menos da maneira que te deixei entrar a ti. Há já muito tempo que me conquistaste o coração, naquele dia em que apareceste sorridente no teu vestido cor de rebuçado e sapatos de salto alto, pretos. Vieste na tua condição de amiga da amiga do outro amigo, amigo de sei lá eu mais quem. Vieste. Vieste, e ficaste. Amaste-me num amor candente, violento, apaixonado. E para quê? Roubaste-me o chão assim que te fartaste. E foste, com a mesma fugacidade com que decidiste aparecer na minha vida. Foste, e agora voltaste. E eu não te consigo mandar embora.
Maria Clara, eu espero que valhas a pena, espero mesmo. Espero que, desta vez, fiques. Espero que não te cruzes mais com nenhum Jean Pièrre que nos venha a estragar tudo, outra vez. Espero, desesperadamente, que esta tua demora seja só devida ao trânsito na A5. E espero não estar a fazer figura de parvo, aqui sentado à tua espera.
Estonteado por tantas memórias que me vão penetrando a mente e tirando a razão, dou por ti a entrar porta dentro, apressada. E bela, incrivelmente bela. Não vens vestida com cor de rebuçado, mas vens irremediavelmente sorridente, sempre. E dou por mim a sorrir-te como se nada fosse.
“Fala-me de ti, da tua vida.”
E ali ficámos nós. Nós não. Eu e tu, pelo menos por enquanto. Porque não penses que te vou deixar voltar assim, sem mais nem menos. E vais ter de batalhar para entrares na minha vida outra vez. Mal tu sabes que nunca dela saíste… Eu e tu. Com remorsos, pesares, gargalhadas e bolachas de manteiga. E, claro, o tão nosso Earl Grey. Sem café, sem leite. E assim ficámos, prontos a desvendar os enigmas dos anos em que, supostamente, não fizeste parte dos meus dias."

Uma pessoa anónima que merecia que o seu nome fosse conhecido pelo... mundo!