Maria Clara

"“Conta-me coisas.”
Fico atónito. Apetecia-me responder-te “uma coisa, duas coisas, três coisas”, não era o que me dizias? Mas não, sorri-te com a maior brandura e respondi-te apenas
“O que queres saber?”
“Fala-me de ti, da tua vida.”
Sim, claro. E tu esperas que, depois de tantos anos sem me dares uma única notícia, eu chegue ao teu lado e aja como se nada fosse. Não, claro que não. Estava furioso, apetecia-me atacar-te, atirar-te à cara o estado em que fiquei quando cheguei a casa naquele dia, à nossa casa, e encontrei aquele teu bilhete. O bilhete em que me confessavas a tua paixão efémera e impetuosa por um qualquer Jean Pièrre que te roubou o coração. Que ias para Paris e que não ias voltar. E eu? E eu fiquei na merda, e nem tu imaginas como. Só quiseste saber do teu Jean Pièrre e ignoraste por completo o que EU sentia por ti. Alguma vez existiu maior cliché?
Cabra. Alguma vez pensaste em mim? Em nós? Em tudo o que eu tinha feito por ti? Tudo o que eu mudei para te agradar? Não, é claro que não pensaste. Fugiste de mim sem deixar rasto, escapaste-me por entre os dedos. E o pior de tudo é que, assim mesmo, eu não consigo odiar-te. E também não consegui responder-te que não quando me ligaste a dizer que estavas em Portugal, quando me pediste para ir tomar um café contigo a Belém (e não podias ter escolhido um sítio que não fosse nosso?). Um café, só um café. Não consegui inventar a mais pequena das mentiras, não consegui dizer que estava fora e que não ia dar. Não. Arrisquei, mais uma vez, bater com a cabeça na parede. Por ti. Será que não entendes? Não entendes que me estás a devolver a esperança em nós? Num nós no qual o fluir dos anos me levou a desacreditar? Será que não compreendes, de uma vez por todas, que eu te amo, amei e vou amar até as galinhas terem dentes? Que és a mulher da minha vida? Que voltares é estares a dizer-me sim?
Eu juro que tentei, tentei amar outras mulheres. Seduzia-as. Deixava-me seduzir. Tentei amá-las como te amo a ti, de corpo e alma. Mas a umas amava só de corpo, a outras amava só de alma. Nunca as deixei entrar na minha vida, pelo menos da maneira que te deixei entrar a ti. Há já muito tempo que me conquistaste o coração, naquele dia em que apareceste sorridente no teu vestido cor de rebuçado e sapatos de salto alto, pretos. Vieste na tua condição de amiga da amiga do outro amigo, amigo de sei lá eu mais quem. Vieste. Vieste, e ficaste. Amaste-me num amor candente, violento, apaixonado. E para quê? Roubaste-me o chão assim que te fartaste. E foste, com a mesma fugacidade com que decidiste aparecer na minha vida. Foste, e agora voltaste. E eu não te consigo mandar embora.
Maria Clara, eu espero que valhas a pena, espero mesmo. Espero que, desta vez, fiques. Espero que não te cruzes mais com nenhum Jean Pièrre que nos venha a estragar tudo, outra vez. Espero, desesperadamente, que esta tua demora seja só devida ao trânsito na A5. E espero não estar a fazer figura de parvo, aqui sentado à tua espera.
Estonteado por tantas memórias que me vão penetrando a mente e tirando a razão, dou por ti a entrar porta dentro, apressada. E bela, incrivelmente bela. Não vens vestida com cor de rebuçado, mas vens irremediavelmente sorridente, sempre. E dou por mim a sorrir-te como se nada fosse.
“Fala-me de ti, da tua vida.”
E ali ficámos nós. Nós não. Eu e tu, pelo menos por enquanto. Porque não penses que te vou deixar voltar assim, sem mais nem menos. E vais ter de batalhar para entrares na minha vida outra vez. Mal tu sabes que nunca dela saíste… Eu e tu. Com remorsos, pesares, gargalhadas e bolachas de manteiga. E, claro, o tão nosso Earl Grey. Sem café, sem leite. E assim ficámos, prontos a desvendar os enigmas dos anos em que, supostamente, não fizeste parte dos meus dias."

Uma pessoa anónima que merecia que o seu nome fosse conhecido pelo... mundo!

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